Por que não creio em graça preveniente?

O novo testamento nos revela que a salvação se dá puramente pela graça, sem mérito algum do ser humano, pois está escrito: "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós; é dom de Deus, não por obras, para que ninguém se glorie" (Efésios 2:8-9) e "Ele nos salvou, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo" (Tito 3:5). De fato, a salvação só pode ser pela graça por meio da fé, nesse ponto todos os cristãos estão de acordo. Mas, referente ao modo como essa graça opera, há duas visões distintas: A da graça preveniente (doutrina arminiana) e a graça irresistível (doutrina reformada).

No arminianismo clássico, a graça previniente se refere a doutrina de que o Espírito Santo concede a todos os homens um tipo de graça onde eles são libertos do pecado original e parcialmente regenarados para poderem livremente decidir se aceitam ou não o evangelho. Na definição de Roger Olson:

“A graça preveniente é simplesmente a graça de Deus convincente, convidativa, iluminadora e capacitadora, que antecede a conversão e torna o arrependimento e a fé possíveis. Os calvinistas interpretam-na como irresistível e eficaz; a pessoa na qual esta graça opera irá se arrepender e crer para salvação. Os arminianos interpretam-na como resistível; as pessoas sempre são capazes de resistir à graça de Deus, conforme a Escritura nos adverte (At 7.51)”                                                                          Teologia Arminiana: Mitos e Realidades, Roger Olson.

A principal questão com a suposição de uma "natureza temporariamente neutra" é a de que: o que faz um homem aceitar a oferta e outro não? Se ambos estão igualmente cegos quanto a Deus, e ambos recebem graça na mesma proporção, porque um aceita e o outro rejeita? Por que a vontade de um é mais correta do que a de outro? Se o objetivo da graça é tornar o pecador "neutro", o que o tira do estado neutro e o leva para o sim ou não? Qual é o fator que confirma sua fé? Pode-se deduzir, de forma consciente ou não, que se um aceita baseado em alguma convicção interna sua que está além da graça, é porque algo no entendimento próprio (seja inteligência, vontade, consciência, genética ou o que for) dessa pessoa é melhor, mais correto, do que há no da outra. Me parece um atentado contra a justificação somente pela graça (Tito 3:5-7), pois no caso, a graça é insuficiente por exigir algo além dela, algo que vem do próprio ser humano. 

Não há algo na bíblia como um estado intermediário de natureza. Cristo disse: "O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito." (João 3:6) e Paulo nos informa em Gálatas 5:17: "Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si" Como então é possível que algo que parta do próprio ser humano (carne) possa ser favorável a algo que é do Espírito (fé), sendo os dois opostos? (Romanos 8:7–8; 1 Coríntios 2:14; Efésios 2:8–9). Cristo ensinou que as decisões de todas as pessoas não são aleatórias, mas reflexos de sua natureza: "Assim, toda árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar frutos bons." (Mateus 7:17-18) (Lucas 6:45). Se a resposta do homem sempre vai ser baseada em sua natureza, e nesse "estado intermediário" a sua natureza é neutra, segue-se que o homem não tomaria decisão alguma, permaneceria neutro quanto ao assunto, pois, por sua vontade natural o negaria, pela vontade divina o aceitaria,  pela tal vontade neutra ele permaneceria neutro.  Para manter a conclusão de que o ser humano pode optar por escolher ou negar a Deus livremente seguindo a coerência lógica, seria preciso, como Finney fez, remover a premissa de que há uma corrupção natural no homem que o faz se inclinar para o mal, mas ao fazer isso, se estaria negando afirmações explicitas de Paulo. Além de que essa "regeneração parcial" e "estado intermediário", caso verdadeiros, deveriam estar claro nas escrituras, o que não ocorre. 

Alguns alegam que ambos reformados e arminianos creem em uma graça preveniente, com a diferença de que a graça preveniente reformada é irresistível e a graça preveniente arminiana é resistível. Essa afirmação não é precisa. A visão reformada é a de que um homem só pode ter fé após a regeneração, pois a fé é um dom espiritual; ao contrário da visão de que a fé é o requisito para que o homem seja regenerado. Alguém não regenerado não poderia ter fé pois, como disse, ela estaria vindo de si mesmo e isso é impossível (1 Co 2:14). Se o Espírito desse um pouco de fé e aguardasse o ser humano fazer o que quiser com ela, ele, por sua própria natureza a desprezaria, a menos que houvesse bem em si mesmo e o bem do humano vem totalmente de Deus. Novamente, uma possibilidade impossível no caso de depravação total. 

Na parábola do semeador, Cristo diz que aqueles que ouvem a mensagem, retêm e produzem frutos são aqueles os quais a mensagem foi plantada em terreno fértil, que é o coração bom e honesto (Lucas 8:11-15). A primeira vista, essa afirmação parece contradizer as outras sobre o coração do homem, como em Gênesis 8:21; Eclesiastes 9:3; Jeremias 17:9; Marcos 7:21-23;  Efésios 2:1-3. Quando a bíblia se refere ao coração do homem, ela diz que é enganoso e corrupto, que é o exato oposto de honesto e bom. Como pode então a semente ser plantada em terreno fértil, se todos os terrenos são estéreis por natureza. Bem, essa é a graça do Espírito. Está escrito: “Dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei um coração de carne.e “...não pelas obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador.". Desse modo se conclui que é o Espírito que torna o solo fértil para que a semente seja semeada em um lugar propício. E também que se há corações férteis, é porque o Espírito os tornou assim, não por sua própria natureza. Se a graça fosse realmente dada a todos, e nem todos se tornassem férteis, estaria se assumindo que a operação do Espírito foi ineficaz em tornar um coração enganoso e corrupto em um bom e honesto, o que é impossível. Conclui-se que a fé é a consequência da regeneração e não a causa pois um coração bom e honesto é um coração regenerado.

Argumenta-se que levando a risca desse modo o que a bíblia ensina, se elimina a liberdade humana e por isso a interpretação do que Paulo diz deve ser algo oposto do que aparenta ser. É necessário definir no que consiste a liberdade. O que se entende por liberdade costuma ser a possibilidade de escolher entre dois opostos, mas esse é o conceito bíblico de liberdade? se fosse assim, Deus seria livre, considerando que ele não pode optar pelo mal, por ser contrario a sua própria natureza (Tiago 1:13; 2 Timóteo 2:13; Hebreus 6:18)? Paulo diz: “...para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos forte alento, nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta.” Se é impossível que Deus minta, Ele não é livre? Muito pelo contrário, sua impossibilidade de mentir revela sua liberdade, pois, caso mentisse, a própria verdade (João 14:6) seria escrava da mentira, o que é uma impossibilidade lógica. O que a bíblia apresenta como liberdade é a prática do bem, ou a impossibilidade de praticar o mal, isso é ser livre (João 8:34-36; 2 Coríntios 3:17; Tiago 1:25; Salmo 119:45; Gálatas 5:1, 13).  Já está provado tanto no que consiste a liberdade, quanto que o homem natural não a possui, apenas o homem regenerado. 

Depois, se argumenta que esse modo de salvação não é justo, que Deus teria que ser mal caso criasse pessoas que iriam ser condenadas. Primeiro, quem determina o que é justo ou não é Deus. Assim como no caso do problema do mal, não cabe a mim, como criatura, usar do meu padrão de moralidade para julgar a Deus e sua ações para determinar se é justo ou não. O que me compete é buscar entender o que Ele revela sobre si e simplesmente crer, sem tentar adicionar nada que, ao meu próprio entendimento, parece mais justo. Se em João 6:37 Cristo disse que os que vão a Ele são os que o Pai o dá, não cabe a mim questionar as razões do Pai, apenas aceitar até onde Ele quis revelar. A segunda questão é "problemática" tanto no calvinismo quanto no arminianismo, pois, em ambos os esquemas teológicos, Deus sabia quem seria condenado e ainda sim criou essa pessoa. Isso o torna responsável pelo mal? de modo algum, pois não é Ele que induz ninguém a pecar, e sabemos que Ele odeia profundamente todos os pecados. Esse tipo de questionamento aparentemente paradoxal leva a questão do problema do mal, que pode ser abordada em outro artigo.

"Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos."
Isaías 55:8-9



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